OBSERVAÇÃO VISUAL DE COMETAS: ESTIMATIVAS E REPORTES
Última atualização: 17 de Janeiro de 2009
 
Frederico Paiva Quintão*
Alexandre Amorim**
 
A observação de cometas é o primeiro passo para a aplicação do Método Científico no campo da astronomia de cometas. A partir da observação, astrônomos podem elaborar modelos para descrever o fenômeno e prever propriedades do mesmo. Por exemplo, se um determinado cometa é periódico, como sua magnitude irá se comportar nas próximas semanas, quando o cometa atingirá o periélio, dentre outras propriedades que iremos discutir adiante.

Neste artigo, discutiremos quais são as propriedades relevantes a serem observadas e como reportá-las devidamente. Apresentaremos o formato utilizado pela Rede de Astronomia Observacional -- REA, que é a instituição brasileira que coleta informações observacionais por todo o Brasil. Este modelo de reporte procura seguir orientações de outras instituições internacionais, tais como a ALPO, o ICQ/IAU e a BAA. Do ponto de vista prático, a utilização de reportes formatados que possam ser ampla e rapidamente divulgados pela internet possui varias vantagens:
  1. Comparação de registros: observadores podem comparar seus registros rapidamente, trocar experiências e calibrar suas observacoes e estimativas. Isto é especialmente relevante para observadores inexperientes.
  2. Priorização de observações: a medida que iniciam-se os reportes de outburst de algum cometa específico, observadores podem priorizar a observação deste cometa.
  3. Acompanhamento da evolução morfológica do cometa: o que vale tanto para intervalos distintos dentro da mesma temporada de observações quanto para temporadas distintas, para o caso de cometas periódicos.
Este artigo é dividido da seguinte maneira:
  1. O formato do tempo
  2. A estimativa da magnitude
  3. O diâmetro da coma
  4. A estimativa do grau de condensação
  5. O tamanho da cauda em graus
  6. O ângulo de posição da cauda
  7. A finalização do reporte
  8. Referências bibliográficas


1º - O Formato do TEMPO:

Para descrever o dia e a hora que você observou o cometa, você deve fazer o seguinte:

1 - Anote a hora e converta para TEMPO UNIVERSAL, ou seja, a hora de Brasília +3 (ou +2 caso estejamos no horário de verão).

2 - Use a fração da hora. Pra fazer isso, basta converter para fração a hora em que você fez a observação.

Vamos por partes, com um exemplo:

Digamos que o cometa foi observado às 18:30 h (HORA LOCAL) do dia 25/02/2009.

Esta hora corresponde a 21:30 GMT.

Dividiremos os minutos por 60 (afinal em uma hora temos 60 minutos):

30 / 60   =  0.5

Somaremos este valor às horas em GMT:

21 + 0.5 = 21.5

Divididindo este valor por 24 (afinal num dia temos 24 horas).

21.5 / 24 = 0.8958 ~ 0.89
Então teremos: 2009 Fev. 25.89

Em resumo:
 

dia + [hora UT + (minutos/60)]/24

2º - A Estimativa da Magnitude (ou a estimativa de m1)

A magnitude é a medida do brilho de um objeto celeste. Por incrível que pareça, quanto menor o valor numérico da magnitude, mais brilhante é o objeto. Por exemplo, o Sol tem uma magnitude de -27.0, enquanto Plutão tem uma magnitude de +13.0!

Pois bem, este momento é talvez o mais importante da observação. Temos que comparar o brilho do cometa com o brilho das estrelas ao redor. O método é semelhante a observação de estrelas variáveis. Para isto, devemos selecionar algumas estrelas de referência. Existem alguns métodos para estimar a magnitude e são descritos pela bibliografia científica.

São eles:

1) Método de Bobrovnikoff (Out-Out)

O método Out-out, consiste em desfocar a imagem do cometa e estrelas próximas o suficiente para que os diâmetros do cometa e das estrelas de referência fiquem relativamente iguais. Seguidamente comparam-se os brilhos dos discos desfocados. Digamos que a imagem do cometa ficou com brilho entre duas estrelas com magnitude 5.5 e 5.7 - concluimos que a magnitude estimada deverá ser 5.6, por exemplo. Relataremos aquilo que OBSERVAMOS e não o que DEVERIA ser!

2) Método de Sigdwick (In-Out)

O método In-out, consiste em memorizar em foco o brilho superficial médio e o diâmetro do cometa. Seguidamente desfocam-se as estrelas de referencia até que o diâmetro dos seus discos igualem o diâmetro que o cometa apresentava em foco. O brilho das estrelas desfocadas é comparado com o brilho memorizado do cometa em foco. Por exemplo: um cometa apresenta um brilho entre duas estrelas quando estas são DESFOCADAS. As magnitudes destas estrelas são 6.2 e 6.4 - concluimos que a magnitude do cometa deve ser 6.3 .

3) Método de Morris (Modificado)

Para obviar as desvantagens dos dois métodos anteriores, C. S. Morris propôs a seguinte técnica: O cometa é desfocado apenas o suficiente para que a condensação central se espraie na coma, obtendo-se assim um disco com brilho quase-uniforme, o que facilita a avaliação do brilho superficial médio. Memoriza-se o brilho e seguidamente as estrelas de referência são desfocadas para o diâmetro do disco do cometa desfocado no passo anterior, i.e. quando se passa para as estrelas, desfoca-se um pouco mais, de forma a compensar a diferença de diâmetro. O método também é chamado de modificado por que engloba técnicas dos dois primeiros (Out-Out e In-Out).

Qual é o método MAIS CORRETO? Todos estão corretos. São maneiras diferentes de medir a mesma coisa: a luminosidade de uma cometa. O que podemos no máximo sugerir é que existem métodos mais convenientes e neste caso, a conveniência depende do instrumento usado, da característica do cometa, das condições atmosféricas e do olho humano.

Observação importante: Métodos diferentes levam a diferentes avaliações de magnitude, por isso é fundamental relatar qual é o método que você está usando!

Quando fazemos nosso reporte, devemos usar a letra B para o método Out-out, S para o método In-out e M para o método de Morris.


2b - A Escolha das Estrelas de Comparação

Recomenda-se usar estrelas cujo índice de cor (b-v) seja inferior a +0,8. É sabido que estrelas laranjas e vermelhas tem um comportamento diferente quando desfocadas.
Quanto à fonte de magnitude, dê preferência àquelas fontes recomendadas pelo ICQ. Normalmente fontes tais como o BSC (Bright Star Catalogue ou Yale), Hipparchos, Tycho-2 e ASAS-3 são úteis nas estimativas de magnitude visual.


 
Depois que indicamos o método usado, basta anotar a magnitude encontrada.


3º - O Diâmetro da Coma

Esta etapa é também muito importante, pois identificaremos o tamanho da coma do cometa.

Aproveitando a disponibilidade dos computadores e softwares uma boa dica é usar o Skymap (www.skymap.com) ou Cartes du Ciel (www.astrosurf.com/astropc) para facilitar trabalho.

Devemos obter os elementos atualizados da órbita do cometa observado, localizá-lo na data e hora observada e fazer uma comparação entre o tamanho da coma e a distância entre duas estrelas próximas. Essas estrelas não precisam ser as mesmas usadas para obter a magnitude.

Vamos ver um exemplo:

Observamos um cometa brilhante cuja coma é a metade do comprimento entre as estrelas "1" e "2" da carta abaixo:

Ao cllicar primeiro na estrela 1 e depois na estrela 2, o software mostrou a distância de 1º19' o que sugere que a metade desse valor é 40 minutos de arco. Então o diâmetro da coma de nosso cometa é 40 minutos de arco.

Mas se não temos software, nem computador! Bem, neste caso devemos usar um bom atlas celeste (Uranometria, AAVSO, por exemplo) e medir com uma régua a distância entre as duas estrelas e calcular os valores em graus, minutos e segundos.

Lembre-se: a utilizacao de softwares astronômicos é altamente recomendada nesta fase da observação.


4º - Estimando o Grau de Condensação (DC)

Esta é uma característica bastante interessante da morfologia de um cometa. Ela nos diz o quão a coma de um cometa está condensada.

Para uma coma sem condensação central, usamos a notação DC = 0;

Caso a coma tenha uma condensação central quase pontual, ou seja, quase estalar, notamos DC = 9.

Os valores intermediários correspondem a condensações intermediárias e a escala é muito subjetiva. Mas vale resumir as características básicas de alguns Graus de Condensação

  1. Condensação central de 0 até 3. Os cometas são muito nebulosos, uma verdadeira "manchinha". Muitos se assemelham a fracos aglomerados globulares.  
  2. Condensação central de 4 a 6. Os cometas já apresentam uma definição central condensada.
  3. Condensação central de 7 a 9. O cometa é praticamente um disco, a coma difusa é praticamente inexistente.

5º - Tamanho da cauda em graus

Para estimar o tamanho da cauda, devemos proceder da mesma maneira como estimou o diâmetro da coma, fazendo comparação com distância entre estrelas conhecidas.

Outro modo de avaliar o tamanho da cauda é usando as mãos. Existem alguns cometas que podem apresentar longas caudas, e portanto elas são facilmente verificáveis e mensuráveis a olho nu.

Utilize o infográfico abaixo para entender como isso pode ser feito:
 

É válido lembrar que existem vários cometas que não possuem caudas (ou estas não são visíveis a olho nu ou em instrumentos de pequeno e médio porte). É claro que as medidas mostradas acima são médias relativas ao tamanho das mãos.

6º - Verificando o Ângulo de Posição da Cauda (PA)

O modo mais simples para se estimar o ângulo de posição da cauda é o seguinte:

1) Desenhamos a posição da cauda do cometa num papel e usamos estrelas próximas para localizá-lo melhor - algo do tipo: a cauda está na reta que liga as estrelas 1 e 2.

2) Usando um software astronômico, com a data e hora da observação corretamente, clicamos sobre o cometa e em seguida para a direção apontada pela cauda (em relação às estrelas esboçadas no papel).

3) O software fornecerá a PA em dois cliques.

Na nossa figura sobre "Diâmetro da Coma", o software forneceu dois valores interessantes: 1º19' @ 35º. A interpretação desses dados é a seguinte:

A distância angular da estrela 1 para a estrela 2 é de 1°19' na direção de 35° em relação ao norte celeste. Os 35 graus correspondem ao Ângulo de Posição, e também é usado na astrometria de estrelas duplas. Digamos que nosso cometa está próximo da estrela 1 e sua cauda aponta para uma diração PARALELA à reta que une entre as estrelas 1 e 2, então podemos afirmar que o Ângulo de Posição da cauda também é de 35 graus.

Se não dispusermos de computador, então devemos desenhar o cometa e sua cauda em uma carta celeste e medirmos o Ângulo que a cauda faz com o Norte Celeste.


Finalizando o reporte

Depois de todas as análises morfológicas acima realizadas, montaremos o reporte observacional.

A Secção de Cometas/REA usa o seguinte modelo de reporte:
ANO Mês
DD.DD     M    mm.m    dia.    DC    cc.c    ANG    Ins.Ax    Observador, Sítio

onde:
 
DD.DD = dia do mês seguido da fração em Tempo Universal
M = método usado na estimativa de magnitude (M, S ou B) 
mm.m = magnitude m1 estimada
dia. = diâmetro da coma estimado
DC = grau de condensação da coma
cc.c = tamanho da cauda em graus 
ANG = ângulo de posição da cauda (PA)
Ins = instrumento utilizado
Ax = aumento usado
Observador, Sítio = observador e local de observação (cidade, país)
Exemplo:

C/ 2002 O6

2002 Agosto
DD.DD  M  mm.m  dia.  DC  cc.c ANG  Ins.Ax  Observador, Sítio
06.35  S   6.5   12   2/            7x50B   Frederico Paiva, Belo Horizonte, Brasil
[poluição luminosa e nuvens com pequena inteferência lunar ]

O reporte acima nos indica que o cometa C/2002 O6 foi observado no dia 06 de agosto de 2002, em .35 de fração do dia em hora UT. Detectou-se magnitude de 6.5 utilizando método S (In-out) ; a coma tinha 12' de diâmetro e estava com um grau de condensação igual a 2 (a "/" depois do 2 indica que houve dúvida entre 2 e 3 para DC); não houve observação de cauda, por isso os campos cc.c e ANG estão em branco. Utilizou-se um binóculo 7x50 para tal observação (logo aumento de 7 vezes). A observação foi feita por Frederico Paiva, em Belo Horizonte. Você pode observar que você pode colocar comentários ao final da observação, desde que eles venham entre colchetes e sejam relevantes.

Outro exemplo:

DD.DD  M  mm.m  dia.  DC  cc.c ANG  Ins.Ax  Observador, Sítio
10.34  S   6.3    9'  4             7x50B   Frederico Paiva, Belo Horizonte, Brasil
[poluição luminosa e nuvens, estrelas de comparação: TYC 1320-1695-1 (57 Ori), TYC 1313-1812-1, TYC 1318-1194-1]

Podemos citar quais foram as estrelas de comparação usadas para os seus colegas compararem com as observações deles.


Para saber mais (alguns desses links foram usados como bibliografia do texto acima)

http://rgregio.astrodatabase.net/cometas.htm - Visao geral sobre cometas

http://alfredopereira.no.sapo.pt/cof.html - Comet Observer's Forum;

http://www.uai.it/sez_com/index.htm - Secção de cometa da União de Astrônomos amadores da Itália;


* Frederico Quintão é Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais e engenheiro do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Google em Belo Horizonte/MG. Astrônomo amador há 10 anos.
** Alexandre Amorim coordena a Secção de Cometas da Rede de Astronomia Observacional (REA) a partir de Florianópolis/SC, e possui 22 anos de experiência em observacao astronomica visual.


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