A sonda Kaguya e o limbo lunar (I): previsões de ocultações rasantes com melhor precisão
Breno Loureiro Giacchini, 17/07/2009
Na década de 1940 o astrônomo norte-americano Chester Burleigh Watts
(1889-1971) iniciou o grandioso projeto de mapear o relevo da região do bordo
do disco lunar (dito limbo lunar). Qualificamos este trabalho como grandioso
porque esta região da Lua sofre com as librações, isto é, movimentos oscilatórios
que fazem com que partes do lado escuro da Lua sejam visíveis - permitindo-nos
observar cerca de 59% da superfície da Lua, no final de um ciclo completo.
Desta forma, a aparência do relevo lunar nessas regiões está sempre mudando,
periodicamente, devido às librações e, para se mapear o limbo lunar, deve-se
observar a Lua, pelo menos, durante todo um ciclo de libração.
Watts analisou centenas de fotografias obtidas do bordo do disco lunar medindo o relevo e publicou, em 1963 as chamadas "Cartas de Watts": 1800 cartas representando o relevo do limbo lunar em diversas librações. Entretanto, há regiões próximos aos pólos do nosso satélite que, devido à uma peculiar geometria envolvendo o Sol, a Terra e a Lua, raramente são iluminadas (e, quando são bem iluminadas pelo Sol, não são visíveis da Terra). Essas pequenas regiões próximas aos pólos Norte e Sul da Lua são chamadas "Regiões da Terceira Lei de Cassini" ou simplesmente "Regiões de Cassini". Nestes locais as Cartas de Watts apresentam várias falhas, já que elas foram elaboradas por meio de fotografias.
As Cartas de Watts trouxeram grandes melhorias no processo de predição do horário de ocorrência de ocultações lunares, além de permitir a feitura de correções na posição das estrelas ocultadas. Com catálogos que traziam as posições das estrelas cada vez mais precisas (graças a observações astrométricas por satélites), as ocultações passaram a ser utilizadas, sobretudo, para se fazerem correções nas Cartas de Watts – melhorando nosso conhecimento sobre o relevo lunar. Ocultações de grande interesse eram as rasantes que ocorriam em regiões de Cassini, pois nos permitiam conhecer o relevo desses locais peculiares.
Mesmo com as missões espaciais que mapearam a Lua (Clementine, por exemplo), as Cartas de Watts continuaram sendo as fontes mais precisas de informações do limbo lunar. Mas agora, quarenta e seis anos depois de publicadas, pode ser que elas cedam seu lugar para novas cartas, ainda mais precisas.
Recentemente, Mitsuru Sôma, do Observatório Astronômico Nacional do Japão, publicou alguns perfis do limbo lunar obtidos a partir de informações da sonda japonesa Kaguya que parecem ser mais precisos que as Cartas de Watts.
A sonda Kaguya (Selene) foi lançada pela JAXA (Agência Japonesa de Exploração Espacial) objetivando o estudo da Lua, sua origem e evolução, e o desenvolvimento de tecnologia para exploração lunar. A missão consistia de um satélite principal e dois menores. O satélite principal, após órbitas sucessivamente mais baixas, foi impactado na Lua no dia 10/06/2009. Um dos instrumentos a bordo do módulo principal era o LALT, um altímetro laser que elaborou um mapa topográfico global da Lua de grande precisão.
Sôma comparou os perfis recentemente obtidos pela Kaguya-LALT com observações de ocultações rasantes e confrontou, também, as observações com as Cartas de Watts. Os resultados podem ser vistos na página abaixo:
http://optik2.mtk.nao.ac.jp/~somamt/grazes-kaguya.html
As imagens sugerem claramente que os novos perfis permitem a predição de ocultações rasantes com uma precisão ainda melhor. Sôma já está preparando para alguns fenômenos específicos perfis com base nos dados da Kaguya e espera-se que, em breve, esses novos mapas sejam incorporados aos principais programas de previsão de ocultações, como o Occult.
Essa melhoria no conhecimento do limbo lunar traz novas perspectivas para a observação de ocultações lunares, possibilitando novos estudos e descobertas. Esse assunto, assim como um breve relato da importância das ocultações lunares em diferentes períodos da história, é o tema da nossa próxima notícia: uma tradução de um texto assinado por David Dunham (EUA), Dave Herald (Austrália) e Mitsuru Sôma (Japão).REFERÊNCIAS:
Chasing the Shadow – The IOTA Occultation Observer’s Manual – The complete guide to observing lunar, grazing and asteroid occultations. Publicado pela International Occultation Timing Association. ISBN 9780615291246. Richard Nugent, Editor. 2007. Disponível gratuitamente em: http://www.poyntsource.com/IOTAmanual/Preview.htm
ROBINSON, Walt & POVENMIRE, Hal. Occultation observer’s handbook – An introduction to occultations. Publicação do Canaveral Area Graze Observers, 2006.
MOURÃO,
Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e
Astronáutica, 2ª Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.